No âmbito empresarial, é comum que pessoas jurídicas adquiram fundo de comércio (ponto comercial, marca, instalações de máquinas e equipamentos, técnicas de produção e carteira de clientes, por exemplo) ou o estabelecimento de outras pessoas jurídicas. No entanto, em razão dessa compra de ativos, é possível que a sociedade adquirente seja responsabilizada por débitos da sociedade vendedora. Essa é a chamada sucessão empresarial, na qual a adquirente é considerada sucessora da adquirida e pode ser responsabilizada pelos débitos desta última.
Para que se caracterize a sucessão empresarial, basta que, após adquirir ativos de uma empresa preexistente, o adquirente permaneça no mesmo ramo de atuação, ainda que com outra razão social. Mais do que isso: a sucessão empresarial pode ser presumida, não dependendo da apresentação de provas da compra e venda do fundo de comércio ou do estabelecimento empresarial, conforme vem sendo admitido pelo Poder Judiciário.[1]
A responsabilização decorrente de sucessão empresarial pode ocorrer em razão de dívidas civis (decorrentes de contratos com fornecedores ou dívidas bancárias, por exemplo), tributárias, trabalhistas, administrativas, ambientais ou, ainda, qualquer outra espécie de dívida, não havendo restrição nesse sentido.
No âmbito civil, a sucessão empresarial encontra-se regrada no artigo 1.146 do Código Civil, segundo o qual o adquirente responde pelo pagamento dos débitos anteriores à transferência, desde que devidamente escriturados. Como a lei não previu a possibilidade de as partes disporem em contrário, ainda que seja formulado um contrato particular isentando o adquirente de responsabilidade, essa disposição poderá ser considerada sem validade e, nessa situação, a responsabilidade persistirá mesmo com a edição de cláusula em sentido contrário. Ainda conforme a regulação do artigo 1.146 do Código Civil, a empresa antecessora continua responsável, solidariamente, pelo adimplemento das dívidas até o prazo de 01 (um) ano contado do vencimento da dívida ou, caso a dívida ainda não esteja vencida, contado da publicação da transferência dos ativos de uma sociedade para a outra. Porém, após esse curto prazo, a responsabilidade será exclusiva do adquirente. Vale lembrar que, mesmo antes do término do referido prazo, o adquirente será solidariamente responsável pelas dívidas.
Ainda no âmbito civil, conforme mencionado, a responsabilização exige que tenha ocorrido a prévia escrituração dos débitos pela empresa antecessora. Entretanto, isso não acontece nos âmbitos tributário e trabalhista, nos quais, mesmo que a empresa sucedida tenha omitido seu passivo, o sucessor poderá ser responsabilizado.
Especificamente no âmbito trabalhista, o artigo 448 da CLT explicita que o negócio jurídico realizado entre as sociedades empresárias não afeta a relação trabalhista. Assim, o trabalhador poderá ajuizar demanda contra a sociedade antiga e/ou a atual.
Já no âmbito tributário, a sucessão empresarial está prevista no artigo 133 do Código Tributário Nacional. Nessa hipótese, caso a empresa vendedora de ativos continue exercendo suas atividades no mesmo ramo, a empresa sucessora apenas será responsabilizada subsidiariamente, ou seja, a responsabilização ocorrerá somente se a primeira não arcar com a dívida ou se arcar com ela parcialmente. Porém, se a empresa sucedida deixar de exercer atividades no mesmo ramo, a situação torna-se ainda mais grave: a empresa sucessora responderá integralmente pelos débitos tributários. Mais uma vez, esse impasse não pode ser resolvido apenas por meio da edição de um contrato isentando a adquirente de responsabilidade, pois, de acordo com o artigo 123 do Código Tributário Nacional, as convenções particulares não são oponíveis ao Fisco, e este poderá requerer a responsabilização da sociedade empresária sucessora. Evidentemente, a edição de uma cláusula contratual nesse sentido permitiria à sucessora o ajuizamento de outra demanda contra a sucedida, com o objetivo de obter o reembolso dos valores pagos. Porém, antes disso, será necessário arcar com os débitos deixados pela antecessora e a restituição do valor pago será incerta.
Dessa forma, antes de adquirir fundo de comércio ou o estabelecimento de outra sociedade, é imprescindível o levantamento de informações, principalmente quanto a dívidas preexistentes, visando prevenir o reconhecimento de uma sucessão empresarial e a consequente responsabilização da sociedade sucessora por débitos que não foram contraídos por si, o que poderia inclusive conduzir a sociedade à ruína.
Autora:
Anna Caroline de Lima Escolaro – Advogada no escritório Souza Pereira Advogados em Curitiba, graduada pela Universidade Positivo em Curitiba / PR e Pós-Graduanda em Direito Civil e Empresarial pela Academia Brasileira de Direito Constitucional em Curitiba / PR.
[1] AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO FISCAL – DECISÃO QUE DETERMINOU O REDIRECIONAMENTO DO FEITO EM FACE DE PESSOA JURÍDICA DIVERSA COM FUNDAMENTO NA SUCESSÃO EMPRESARIAL (ART. 133, DO CTN)- INEXISTÊNCIA DE PROVA DE ATO FORMAL DE COMPRA E VENDA DO FUNDO DE COMÉRCIO – IRRELEVÂNCIA – SUCESSÃO PRESUMIDA ADMITIDA PELA DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA – COMPROVAÇÃO MEDIANTE INDÍCIOS E PROVAS CONVINCENTES – EXERCÍCIO DA MESMA ATIVIDADE, MESMO ENDEREÇO E SÓCIOS – ALEGAÇÕES DA AGRAVANTE QUE SÃO INAPTAS A INFIRMAR OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA – RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. Sem grifo no original. (TJPR – 2ª C. Cível – AI – 1342066-5 – Santo Antônio do Sudoeste – Rel.: Antônio Renato Strapasson – Unânime – – J. 09.06.2015)