Dando continuidade ao artigo anterior e tratando de uma outra vertente do ICMS que também passou a vigorar em 2016, tem-se observado que o ano começou um pouco mais amargo para as empresas do varejo que movimentam a economia brasileira e são responsáveis por 55% do PIB Nacional, conforme dados da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC).
Isso porque, através da Emenda Constitucional nº 87, de 16 de abril de 2015, foram alterados os incisos VII e VIIIdo § 2º do art. 155 da Constituição Federal, modificando consequentemente a sistemática de incidência do ICMS nas vendas de mercadorias para outros estados destinadas a consumidores finais.
Tais mudanças foram regulamentadas pelo CONFAZ através do Convênio ICMS nº 93, de 17 de Setembro de 2015 que passaram a vigorar a partir de 01 de Janeiro de 2016 para todas as empresas, independente do regime tributário escolhido, estando elas no lucro real, presumido ou simples nacional.
Essas alterações ocorreram por pressão em especial dos estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste que relataram estarem sofrendo considerável perda de arrecadação por conta do comércio eletrônico fomentado por empresas sediadas nos estados “produtores”, localizadas nas regiões Sul e Sudeste.
Para compreensão dessa mudança, será demonstrado de forma resumida através dos quadros abaixo como funcionava o diferencial de alíquotas do ICMS antes da Emenda Constitucional 87/2015 e como passou a ser depois:
Com a nova regra, o fato do destinatário residente em outro estado ser ou não ser contribuinte do ICMS tornou-se irrelevante para a definição das alíquotas aplicáveis pois em ambas as situações passou-se a recolher o imposto com alíquota interestadual ao estado de origem e o diferencial de alíquotas ao estado de destino.
Nessa mudança também foi definida regra transitória para adequação dos caixas dos estados, de forma que o diferencial de alíquotas será partilhado entre os estados de origem e destino até 2018 e após pertencerá integralmente ao estado de destino, conforme quadro abaixo:
Além de todas essas novidades que acabaram encarecendo ainda mais o preço dos produtos, instituiu-se também a obrigatoriedade do recolhimento do Fundo de Combate à Pobreza no percentual de até 2% sobre tais vendas que irá depender da legislação de cada estado de destino, gerando mais burocracias às empresas vendedoras.
Cabe ainda esclarecer que a oneração excessiva dessa nova formatação atingiu diretamente as empresas vendedoras que passaram a ser responsáveis pelo recolhimento do diferencial de alíquotas ao estado de destino quando da ocorrência de vendas para consumidores finais não contribuintes de ICMS, situação que não acontecia antes da alteração da referida Emenda Constitucional conforme demonstrado nos quadros “01 e 02” acima.
Face a esse cenário as empresas do ramo de varejo tiveram que se adaptar operacionalmente para emissão de guias de ICMS relativas ao diferencial de alíquotas e ao Fundo de Combate à Pobreza a serem pagas aos estados de destino quando da venda de mercadorias, tendo em vista que existem 27 unidades federativas no Brasil representadas por 26 estados e o Distrito Federal e cada uma delas com uma legislação diferente, o que dificultou e muito a rotina diária das vendas.
O caos gerado por essa alteração foi tamanho que no dia 17 de fevereiro de 2016 o Supremo Tribunal Federal (STF) através de uma decisão proferida pelo Ministro Dias Toffoli concedeu uma liminar nos autos da ADI 5464 proposta pelo Conselho Federal da OAB em benefício das empresas enquadradas no Simples Nacional suspendendo tais regras, em razão dos prejuízos que estavam sendo causados, com relatos inclusive de encerramento das atividades de pequenas empresas, principalmente pelo fato de não terem disponibilidade financeira para contratação de novos funcionários para monitoramento e emissão de guias de ICMS para cada estado da federação em que efetuassem suas vendas e ainda passaram a ser obrigadas ao recolhimento do diferencial de alíquotas em guia separada fora da alíquota do Simples Nacional, o que ocasionou o aumento da carga tributária.
Portanto tal decisão foi considerada uma vitória para as empresas do Simples Nacional que estarão desobrigadas ao recolhimento do diferencial de alíquotas do ICMS quando da venda para consumidor final localizado em outros estados até o julgamento final desse processo pelo Supremo.
Porém, para as outras empresas que não estão enquadradas no Simples Nacional a obrigatoriedade desse novo recolhimento continua vigente.
Dessa forma, um problema gravíssimo que vem ocorrendo em razão dessa alteração é que as empresas vendedoras estão impedidas de utilizarem seus créditos acumulados de ICMS em completa afronta ao princípio da não-cumulatividade, uma vez que a cláusula terceira do Convênio 93/2015 vedaexpressamente a utilização de créditos relativos à aquisição de mercadorias no estado de origem pelo vendedor com o montante que ele tiver que recolher ao estado de destino a título de diferencial de alíquota. Em contrapartida, mesmo com créditos acumulados de ICMS, essa empresa terá que desembolsar valores para pagamento da guia do diferencial de alíquota de cada estado de destino em que for efetuada a venda.
Portanto essas mudanças trouxeram uma enorme insegurança jurídica principalmente para as empresas que atuam no varejo, eis que de uma hora para a outra passaram a recolher o diferencial de alíquotas do ICMS relativo a todas as vendas para outros estados, ficando porém impedidas de utilizarem seus créditos acumulados gerando uma redução significativa em seu fluxo de caixa.
Face ao exposto, evidente está a afronta não só ao princípio da não-cumulatividade como também ao princípio da legalidade eis que tais alterações deveriam ter sido regulamentadas por Lei Complementar e não pelo Convênio ICMS nº 93/2015 como aconteceu.
Isso porque os Convênios são editados pelo próprio fisco que pertence ao Poder Executivo e acaba tendo interesse direto no aumento da arrecadação.
Por esse motivo quaisquer modificações relativas ao diferencial de alíquotas deveriam ter sido editadas pelo Poder Legislativo com a finalidade de equilibrar as relações entre as partes envolvidas e ainda preservar a continuidade das empresas responsáveis pela geração de renda e empregos no país, o que não tem aconteceu no caso em questão, cabendo aos contribuintes que sentirem-se lesados, buscarem seus direitos.
Monique de Souza Pereira – Membro do GEEF – Grupo de Estudos de Empresas Familiares – FGV/SP e associada do IBGC – Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. É formada em Direito pela Universidade Cândido Mendes – UCAM/RJ, especialista em direito tributário pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ/RJ, especialista em Fiscalidad Internacional – Universidade de Castilla-La Mancha/Espanha e especialista em Fusões e Aquisições, Reorganizações Societárias e Due Diligence – FGV/SP. Sócia do escritório Souza Pereira Advogados em Curitiba.