Não há um consenso sobre a conceituação das startups, mas para exemplificar, poderemos usar o conceito criado por Eric Ries, autor do livro “The Lean Startup”, ou “A Startup Enxuta”, em sua tradução. Ries define as startups como “uma instituição humana projetada para criar novos produtos e serviços sob condições de extrema incerteza”.
Da análise da conceituação elaborada por Ries, importante destacar algumas características importantes do produto ou serviço criado por uma startup. Inicialmente, importante citar que os produtos ou serviços criados pelas startups, devem ser repetíveis e escaláveis. Um produto ou serviço é repetível quando é possível realizar a sua entrega de maneira teoricamente ilimitada, sem que seja necessário sua alteração ou customização. E é escalável o produto ou serviço que possa ser expandido no mercado, em seus diversos aspectos, sem que necessariamente isso influencie diretamente nos custos da operação. Em outros termos, isso é chamado de crescimento exponencial, quando ocorre um aumento na demanda daquele produto ou serviço, sem que necessariamente os custos da operação cresçam na mesma proporcionalidade, gerando, portanto, lucro.
E ainda, uma outra característica que talvez mais se associe à startup, é a inovação, ou seja, a criação de produtos ou serviços inovadores, mais baratos, que impactam e quebram paradigmas até então consolidados no mercado, ou até mesmo, que resulte em um novo nicho de mercado. Em suma, esses produtos ou serviços criados pelas startups resultam numa inovação disruptiva.
Desse modo, pode-se dizer que esse processo de criação de produtos ou serviços inovadores é um dos diferenciais das startups, tornando-se, portanto, um bem intangível importante, que resulta numa vantagem competitiva que vem desestabilizando empresas já consolidadas e estabelecidas em seus mercados.
Por esse motivo, é de suma importância sua proteção para evitar que terceiros as copiem. E por se tratarem de criações inovadoras e inéditas, decorrentes do intelecto humano, é necessário proteger a sua autoria e propriedade.
Mas quando esse produto ou serviço, seja apenas existente como mera ideação ou já em desenvolvimento, passa a ter proteção jurídica?
Essa questão foi objeto de uma enquete em nosso Instagram que despertou a curiosidade de muitos seguidores e por isso escrevemos esse artigo.
Inicialmente, importante destacar que a área do Direito que estuda a proteção das criações do intelecto humano, que resultam em bens materiais ou incorpóreos, é a Propriedade Intelectual. Essa, por outro lado, é dividida em dois ramos, quais sejam, o Direito Autoral e a Propriedade Industrial. Em outros termos, trata-se a Propriedade Intelectual de um gênero do Direito, e o Direito Autoral e a Propriedade Industrial, suas espécies.
Em síntese, podemos dizer que o Direito Autoral visa a proteção “das criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou o que se invente no futuro”, conforme prevê o artigo 7º, da Lei n. 9.610/98. Nesse caso, o núcleo de discussão do Direito Autoral não se trata da propriedade da criação, mas da anterioridade, ou seja, quem externalizou e fixou primeiro essa criação em um suporte, tangível ou intangível.
Desse modo, importante salientar que a ideia em si não possui nenhum tipo de proteção jurídica. Para haver algum tipo de tutela jurídica quanto à autoria da criação, é necessária a materialização dela em um suporte fático, ou seja, é preciso que a ideia saia do pensamento do seu criador e haja a comunicação ao público, ao mundo fático, por meio de um suporte que pode ser tangível, como um livro, ou intangível, como um blog. Desse modo, essa materialização passa a servir de comprovação de anterioridade da autoria de determinada criação.
Inclusive, em se tratando de startups, pode-se citar como exemplo de materialização da ideia a apresentação dela em uma sessão de pitch com possíveis investidores, na qual haja registro (ata ou gravação). Desse modo, como há essa comunicação da ideia, dessa criação intelectual, ao público, nesse primeiro momento já constitui uma proteção no âmbito do direito autoral, visto que ela deixa de existir apenas no plano imaginário de seu criador e se materializa no mundo fático, servindo, assim, a apresentação no pitch como prova de anterioridade da autoria da criação.
Destaca-se que o direito autoral já é inerente à criação, ou seja, no momento em que a criação é fixada em algum suporte pelo seu criador, já é protegida pelo direito autoral, não sendo necessário qualquer tipo de registro para que se tenha alguma tutela jurídica. Nesse caso, o registro não se trata de um requisito atributivo de direito, e caso seja realizado, possui característica meramente declaratória, sendo muito importante para comprovar a existência de anterioridade quanto à criação da ideia, por exemplo, ou seja, prova de anterioridade da autoria.
Ademais, uma vez que o mundo das startups está muito ligado à tecnologia, importante frisar que os softwares, ao contrário do que muitos acreditam, possui proteção jurídica pelo direito autoral (Leis nºs9.6096/98 e 9.610/98). Isso porque o software sé uma criação de espírito de seu criador, equiparando-se, por exemplo, a uma obra literária quanto a seus aspectos jurídicos.
Apesar disso, diante do atual cenário tecnológico mundial de constantes criações e inovações, muitos empreendedores têm buscado a proteção jurídica de suas criações tecnológicas por meio da Propriedade Industrial, mediante registro de patente. Mas frisa-se que o registro da patente será somente sobre a criação que utiliza o software para seu funcionamento, e não sobre o software em si, diante da vedação legal expressa, prevista no artigo 2º, da lei n. 9.609/98 e no artigo 10, da lei n. 9.6110/98, sendo nesse caso o software um mero acessório do produto ou serviço criado.
E, por fim, temos a propriedade industrial, a outra espécie do Direito da Propriedade Intelectual. A propriedade industrial possui previsão legal na Lei nº 9.729/96, a qual, em seu artigo 2º, descreve quais as formas de proteção que a startup pode ter, como a i) concessão de patentes de invenção e de modelo de utilidade; ii) concessão de registro de desenho industrial; iii) concessão de registro de marca; iv) repressão às falsas indicações geográficas; e v) repressão à concorrência desleal.
Em que pese a propriedade industrial abranger todas essas hipóteses de proteção, no âmbito das startups, o que é mais comum é a proteção às marcas e patentes, visando, como exposto, a proteção à propriedade intelectual do negócio, que é um diferencial, um ativo que resulta na vantagem competitiva da startup no mercado.
Importante salientar que, ao contrário do Direito Autoral, para que ocorra a proteção por meio da Propriedade Industrial, é necessário haver o registro do que se pretende proteger no órgão competente, que seria o Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI. Assim, nesse caso, o registro é obrigatório para a constituição do direito à proteção.
Pois bem. Em suma, a marca pode ser definida como um elemento que individualiza os produtos ou serviços de uma empresa, visando sua distinção para com outras empresas. Desse modo, visto que a marca individualiza e identifica a empresa pelos seus produtos e serviços, sua proteção também é de grande importância, haja vista que o fato de uma empresa se destacar e ser lembrada apenas pela sua marca é um bem intangível de grande valia. Podemos citar como exemplo o Instagram. Ora, todo usuário do aplicativo, que o utiliza em seu smartphone, o acessa clicando no ícone da empresa, sem que haja a necessidade de estar disposto o nome da empresa junto à imagem.
Já a patente é o título dado ao portador da propriedade da invenção ou do modelo de utilidade, concedendo o direito de impedir que terceiros explorem a criação, mediante produção, uso ou venda. Para que seja expedida a patente de invenção, alguns requisitos devem ser preenchidos, quais sejam: i) a novidade, ou seja, não pode ser acessível ao público antes da data do depósito do pedido de patente; ii) deve ser fruto de atividade de invenção de seu criador; e iii) aplicabilidade industrial (possibilidade de produção).
Em relação à patente de modelo de utilidade, assim como na patente de invenção, é necessária sua aplicabilidade industrial e que ela seja fruto de atividade inventiva. A diferença é quanto à novidade. Nesse caso, no modelo de utilidade já houve a publicidade da invenção, ou seja, esse produto e/ou serviço já existe, mas há melhoria em seu uso (forma ou disposição) ou na sua fabricação.
Frisa-se que as invenções ou modelos de utilidades patenteados que foram criados por funcionários das startups, no exercício de sua função, pertencem à empresa, conforme prevê o artigo 88, da lei nº 9.279/96. Caso a invenção ou modelo de utilidade seja desenvolvido pelo empregado, mas com cooperação do empregador, cada um terá direito a 50% da propriedade da patente.
Desse modo, assim como a marca, a patente mostra-se de suma importância, visto que irá proteger a invenção ou o modelo de utilidade criado pela startup, pois se trata de um ativo que gera vantagem competitiva no mercado.
Infelizmente, o sistema de registro de patente, em que pese sua importância acaba sendo inviável para muitas startups por se tratar de um procedimento muito oneroso e burocrático.
Portanto, diante do exposto, mesmo que em síntese, conclui-se que a proteção à Propriedade Intelectual de uma startup, é um dos pontos mais importantes aos quais os empreendedores devem estar atentos. Isso porque a Propriedade Intelectual, em seus diversos aspectos, pode promover uma inovação disruptiva e trazer uma enorme vantagem competitiva à essa startup quando comparada à outras empresas já consolidadas, atraindo investimentos, gerando valor e promovendo o seu desenvolvimento, expansão e consolidação.