Contrato social precisa ser bem especificado para contribuir com a perenidade do negócio e evitar prejuízos ao patrimônio pessoal dos sócios.
A situação é cada vez mais corriqueira: jovens que mal se conhecem decidem abrir uma empresa, vender uma ideia inovadora – ou um novo produto – e tornar-se o mais recente sucesso do mundo dos negócios. Mas formalizar uma empresa é mais complexo do que dividir uma conta de boteco. Além do périplo burocrático, exige preparo dos envolvidos e a construção de instrumentos que ordenem o funcionamento do empreendimento, prevendo diferentes cenários, especialmente quando as coisas não vão bem.
A orientação parece óbvia, mas está longe de ser a regra no mercado. Em geral, os contratos sociais, documento que formaliza a sociedade de uma empresa, não contempla situações adversas às que o empreendimento foi formatado no início, quando o entusiasmo acaba dando lugar à falta de cautela para proteger o futuro do negócio. “O ideal é estabelecer as condições que sejam melhores para a atividade e não para cada um dos sócios. Pensar na empresa em primeiro lugar, na responsabilidade que implica em ter fornecedores, funcionários e participar da economia”, explica a advogada Monique de Souza Pereira, especializada em Direito Empresarial, do escritório Souza Pereira Advogados.
Divisão das Tarefas: É o contrato social que rege a organização da empresa, divide tarefas, responsabilidades, participações societárias, estabelece normas para compra e venda, entrada de novos sócios, sucessão e até dissolução de uma sociedade. Por isso, quanto mais minucioso, melhor. Não significa garantias de um funcionamento perfeito, mas é o instrumento que vai proteger os direitos de todos os envolvidos. “E é mais fácil fazer isso antes de começar o negócio ou quando a empresa é saudável e está em um bom momento”, observa o empresário Felipe Mosko. Ele e o sócio, Leandro Costa, decidiram trabalhar juntos há cinco anos e fizeram questão de detalhar todos os passos da fábrica de produtos plásticos que criaram depois de uma experiência ruim com outro parceiro.
Mosko e Costa foram apresentados pelo ex-sócio e tiveram problemas ainda durante os primeiros meses de funcionamento da primeira empresa. Sem definição clara do papel de cada um, os dois deixaram por conta do terceiro a administração do negócio, sem estabelecer seus limites de atuação.
“Fomos roubados e tivemos muita discussão para estabelecer o que era de quem na hora de desmanchar a sociedade”, explica Mosko. Antes de engatarem um novo empreendimento, os atuais sócios dividiram algumas parcerias, até optarem pela criação da LCMax. “A configuração da empresa deve ser justa para todo mundo. Assim, todos se dedicam e ninguém se sente lesado”, aposta.
Combinado não é caro: Quando bem definido, o contrato social ajuda a superar momentos de crise na empresa, além de ser o instrumento jurídico de proteção aos envolvidos. Especialistas destacam pontos que merecem atenção:
Personalidade Jurídica: O registro na Junta Comercial do estado de constituição da empresa é o primeiro passo para a sua formalização. Esse documento estabelece direitos e obrigações próprios do empreendimento e sua estrutura patrimonial, diferente da dos sócios.
Cotas: É preciso explicitar a divisão de cotas do capital social e os valores investidos por cada parte para formação da empresa, que pode ser em dinheiro ou bens de capital. Também orientam para a distribuição de lucros e a retirada de pró-labore.
Compra e venda: Determina as condições, preferências, prazos e pagamentos das participações societárias, estabelecendo os critérios para que sejam feitas as negociações.
Função: Define a finalidade social do negócio, base em que cláusulas de responsabilidade são estabelecidas para proteção de ações de algum dos sócios, estranhas à função original.
Sucessão: Regras de sucessão dos sócios em caso de falecimento, lesão permanente por doença ou acidente, impossibilidade administrativa, dissolução da sociedade, interdição ou separação judicial ajudam a minimizar conflitos internos que afetem o desempenho do negócio.
Formalização na Junta Comercial faz parte do Planejamento
No mundo empresarial, a prevenção também é o melhor remédio. Via de regra, consultorias de gestão e advogados especializados em direito empresarial são procurados para resolver problemas que o contrato social não previu. O ideal é que esse acompanhamento seja feito antes da formalização da empresa. “Isso vai orientar os sócios sobre as melhores práticas quando o negócio atravessa os piores momentos”, explica a advogada Monique de Souza Pereira.
A principal consequência de um contrato mal formulado é o comprometimento dos bens dos sócios, no pagamento de dívidas contraídas com fornecedores, funcionários ou na esfera tributária. Em diversos artigos da legislação que rege a sociedade limitada, a mais usada no Brasil, a responsabilidade entre os sócios é compartilhada, mesmo quando os outros envolvidos desconhecem as atitudes d administrador. “Um planejamento mal feito vai acabar comprometendo o capital próprio dos sócios para recuperar a empresa”, explica o advogado Leonardo Grissoto, da Leão Bravo Gestão Financeira e Empresarial.
Questões pertinentes à compra e venda de cotas para novos sócios – quem tem a preferência da compra, como serão pagos os haveres das cotas de quem vende, quais os prazos e condições – e regras para sucessão na sociedade no caso do falecimento de um dos sócios, por exemplo, são condições de conflito comuns no mercado e que impactam diretamente no desempenho da empresa.
“Brigas de família afetam a imagem do empreendimento, comprometem seu valor de mercado e despertam a desconfiança de parceiros, fornecedores e clientes. E hoje em dia, a má administração empresarial é punida como crime por prejuízos a terceiros”, observa Monique.
(Gazeta do Povo – Curitiba – 15/04/2015 – jornal)